segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Entrevista - Tenente Styvenson Valentim

Nadjara Martins
Repórter

Entrevista - Tenente Styvenson ValentimComandante da Operação Lei Seca no Rio Grande do Norte

Paladino da lei para uns, autoritário e abusivo para outros. Mas na visão do tenente Eann Styvenson Valentim Mendes, 37 anos, nada na vida é só bom ou ruim, certo ou errado – nem mesmo ele. Comandante da Operação Lei Seca no Rio Grande do Norte, Styvenson coleciona elogios pela atuação rigorosa nas blitzen de trânsito. Somente neste ano, a operação abordou 30.424 condutores potiguares, dos quais 2.668 foram autuados por dirigir embriagados. Por outro lado, o tenente é alvo de polêmicas, como a recente sindicância aberta para apurar uma suposta lesão corporal contra um condutor. O tenente nega a ação, assim como o estigma de autoritário. 

“O que eu tento passar para as pessoas não é medo, mas que se for pego dentro do canal da blitz não adianta fugir, deixar o carro, trocar de motorista, porque todo o esquema foi montado para ter a certeza de que você vai ser punido”, afirma o tenente, que já autuou jornalistas, advogados, médicos, motoristas da presidente Dilma Rousseff e até um padre.

Nesta entrevista à TRIBUNA DO NORTE, Styvenson faz um balanço da operação da Lei Seca durante o ano, defende o aumento das penalidades previstas no Código Brasileiro de Trânsito e ampliação da estrutura da operação no RN. “A gente está vivendo o holocausto (no trânsito), mas ninguém sente, porque não foi seu pai, sua mãe, você não perdeu uma perna ainda...” Até outubro, 134 acidentes foram registrados no estado envolvendo álcool e direção. Em 2013, foram 239.


Balanço
Se fosse por termômetro, os três primeiros meses foram pesados. Os três seguintes as pessoas aceitaram. Quando o pessoal começou a ver guarda de Dilma Rousseff, promotor, juiz, foi decisivo. Hoje existe quem está contra, como tudo na vida tem o antagônico. A avaliação é positiva em rendimento, tratamento. Quase 5 mil CNHs recolhidas, mais de 700 pessoas presas e apenas 1 denúncia. O policiamento funciona, atende bem.

Estrutura
Em 2011, me chamaram para a Lei Seca. Me mandaram para o Rio de Janeiro. Estrutura magnífica, dispunham de tudo o que não temos no nosso estado. Para começar, lá é uma subsecretaria, só responde ao governador. Eles estão isentos que interferência lateral, só vem de cima.  A gente foi montando com o que temos. Duas viaturas cedidas pelo Detran, duas Trollers e um Guincho. Uma viatura que serve de escritório Móvel. 12 policiais e dois tenentes.  Preciso que as coisas funcionem, não é só apoio financeiro. Só quero o apoio, às vezes, básico. A gente faz muito no músculo. Não sei a quem eu peço por isso: governador, Senado...? Só peço que olhe se deu certo. Se deu certo sem nada, imagina se eu tivesse o mínimo? Nem o mínimo eu tenho. O que eu tenho já é difícil de manter.

Operação
O comandante (da PM, Francisco Araújo) não fica feliz quando eu prendo 80. Ele pergunta: isso nunca baixa? É difícil conscientizar pessoas. (O número) Não diminui pelo fato das pessoas usarem o Waze, Whatsapp ou qualquer outro dispositivo eletrônico. Acha que vai burlar, que não vai ser com ele. Além disso, o prazer de desafiar. É a blitz? Vamos morder o policial, morder, tentar dar um tiro. É  a falta de educação, o desrespeito, a espécie de emoção do desafio. Ele só não quer obedecer, preservar a vida dele. Até onde tenho conhecimento, dentro da minha área de operação só morreu uma neste ano. Foi a senhora no cruzamento do Midway. E aquilo me revoltou, porque um dia antes eu fiz uma blitz naquela (boate) Pink Elephant.  Eu fiquei entalado, parece que o trabalho foi mal feito. Fiz tudo e não salvei aquela vida, de que adiantou ter 500 pessoas presas? A impotência da nossa equipe é essa. De que adianta eu fazer 100  se morrer um? É uma estatística boa se você não conhece ninguém que sofreu. 

Situações
Uma mulher foi para cima para me bater mesmo. Disse que ia jogar o sapato, dar em mim. Eu eu não podia fazer nada, não podia bater numa mulher. Mas ela não bateu não.  De inusitado desde um caminhão do lixo, uma ambulância, um padre.   História de cara que está com outra mulher e eu tenho que dar uma solução para ele. Tem muita coisa inusitada durante a noite. É inusitado para um blitz que as pessoas perguntam: por que não pega bandido? Pouca gente tem o conhecimento de que já predemos mais de 15 arma, quantidade considerável de drogas, carro roubado...

Legislação
O Código Brasileiro de Trânsito tem que ser mais rígido? Concordo. Principalmente se tratando de brasileiro. Estive em Brasília, na oficina internacional (sobre trânsito), países como Austrália dizem que é preciso colocar medo nas pessoas.  Tem que estar sabendo que, se for pego na blitz, vai acontecer tudo que a legislação prevê para ele. O que eu tento passar para as pessoas não é medo, mas que se for pego dentro do canal da blitz não adianta fugir, deixar o carro, trocar de motorista, porque todo o esquema foi montado para ter a certeza de que você vai ser punido. Mas não adianta ter lei rígida, tomar milhões, expropriar o carro se eu não tiver o capital humano para fiscalizar, ou se eu der todo esse poder a um policial corrupto.

Punição
Acidente é algo que eu não tive capacidade de evitar. Será que eu beber e sair dirigindo foi acidente? Ou foi intenção? No momento em que você bebeu, assumiu a direção e matou uma pessoa, foi um acidente? É aí que o código brasileiro tem que mudar. O código não prevê o caso doloso, só o culposo. Quatro anos, não respondo, medida auxiliar. Eu tiro a sua vida com meu carro, tive a intenção e pago apenas quatro anos?  Acidente não é falta atenção, é o que você não tinha previsão.
Alex RégisTenente Eann Styvenson Valentim Mendes é a referência das blitze da Lei Seca em NatalTenente Eann Styvenson Valentim Mendes é a referência das blitze da Lei Seca em Natal

Trajetória
Eann é um anagrama do nome da primeira irmã, Anne. Meu pai era uma pessoa meio excêntrica. Styvenson também é uma mistura das letras do meu pai. Descendente mesmo só de espanhóis. Vim para Natal aos 15 anos, para viver com a minha irmã. Passei duas vezes na UFRN, uma em Ciências Sociais e outra em Administração. Fiz História e Ciências Biológicas para a UERN, sem saber para onde ia. Fui parar na PM por acaso. Personalidade eu não tenho de militar. Minha personalidade é de ver coisas errada e não deixar. E na Polícia Militar muitas vezes você precisa silenciar porque há uma hierarquia. Quem me conhece dentro da polícia sabe disso. Fui parar em 2001 em um concurso da Polícia Militar, colocado no 9º batalhão, segunda companhia, na zona oeste. Era o pior lugar porque o traficante era muito, policiais corruptos. Em 2010 fui para o trânsito.  Primeira coisa que eu fiz quando soube que iria para o trânsito foi estudar. Li, reli, perdi as contas de quantas vezes li o Código Brasileiro de Trânsito. Faço o que eu faço hoje por determinação do Comando Geral da PM.  Faço da melhor forma possível, mas o 9º batalhão é o meu de coração. 

Pressão
Uma autoridade me aborda, eu preciso ter autoridade. Tenho que conhecer a lei, porque eu faço o que a lei me permite. Fico muito chateado quando outro policial é parado e fica contra mim, diz que vai me perseguir. Na verdade, não estou preocupado com quem vem atrás de mim. O problema é que a pessoa deveria se preocupar com o que fez. Eu me preparo, preparo os policiais. Nossa prioridade é a qualidade no atendimento, tratar igual desde quem está naquela Traxx até quem está num Porsche, como a gente já pegou. É técnica, é o que a lei diz. Pressão toda hora é isso, mas nem é comigo.  Se o general, a governadora vão me tirar, assumam a responsabilidade. Eu não pedi para estar aqui e nem vou pedir para sair. Enquanto eu estiver de pé, com forças para fazer o que tenho para fazer.

Suborno
Ah, já tentaram, no início. Não me conheciam direito e vinham com a história de dar um dinheiro. Eu digo logo não, o cara insiste, coloca dinheiro no meu bolso. O maior de todos foi R$ 5 mil. Quando o cara quis me dar o carro eu vi que estava errado, estava estranho. Quando foi ver era um ladrão de carro que estava se passando por um neurocirurgião.

Afastamento
Fiquei quatro meses (na operação), funcionou. Surgiram indisposição, interferências. Me jogaram para o 9º batalhão, não foi ruim. Fui afastado em 2012. Mas estou na Lei Seca por responsabilidade, porque eu gosto de fazer as coisas bem feitas. Hoje essa confiança se espalhou, quantas não podemos decepcionar, eu e minha equipe? A cobrança está maior. O que eu presenciei na minha ausência foi que parou, quase não teve blitz. De 2012 a 2014, foram 300 CNHs recolhidas. Eu apreendi em janeiro, em um mês, 400 CNHs. Onde é que está o erro? 

Sacrifício
Privação. Eu não posso mais errar, ir e vir para qualquer lugar. Se eu sentar num bar para beber água, você acha que não vai chover de Whatsapp? Não é mais questão de beber e dirigir, mas de estar em algum lugar que conote alguma coisa que eu vá fazer alguma coisa. Além disso, ser alvo de fotografia e brincadeira “vamos beber que o homem saiu.” Não é minha imagem que está me chateando, mas a frase, o incentivo. Não é um desafio a mim, mas à sociedade. A pessoa que escreve aquilo deveria ser presa. Não jogue em mim o peso todo de uma sociedade. Vou colocar uma capa vermelha, uma roupa azul e sair voando, porque assim só se eu for o super-homem. Já cansei de falar, eu sou humano como qualquer outro. A diferença é que eu acho que me empenho mais em uma coisa, vem primeiro a responsabilidade e o dever. Respeito as pessoas, cumpro a lei, faço do jeito que deve ser feito. 

Operação Lei Seca:
- 56 blitzen este ano
- 30.424 condutores abordados
- 1.198 se recusaram a fazer o teste do bafômetro
- 2.668 condutores autuados 
- 2.011 responderam por processo administrativo
- 657 responderam por crime
- 328 condutores autuados estavam sem carteira de motorista
- 2.340 CNHs foram apreendidas

FONTE: TRIBUNA DO NORTE

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