Ele projeta novos protagonistas no debate. Mas, como em toda guerra real ou virtual, a verdade é a primeira vítima
Se a internet serviu de palco para importantes batalhas nas eleições de 2010, poucos duvidam de um papel ainda mais decisivo na corrida presidencial deste ano. A quatro meses das eleições, a movimentação dos partidos políticos nas redes sociais é intensa. A candidata à reeleição Dilma Rousseff, do PT, e os presidenciáveis Aécio Neves (PSDB) e Eduardo Campos (PSB) começaram a montar seus bunkersdigitais, com uma previsão de gastos superior a 30 milhões de reais. Não é um tiro no escuro. Atualmente, 105 milhões de brasileiros têm acesso à internet, atesta o Ibope Media. Desse universo, ao menos 76 milhões desfrutam de conexão doméstica. É o mesmo número de cidadãos com contas ativas no Facebook, segundo o último balanço da companhia, divulgado em setembro do ano passado.
A rede social criada por Mark Zuckerberg é, por sinal, a menina dos olhos dos marqueteiros digitais. Não apenas pela impressionante expansão no País – em 2010, havia pouco mais de 8,8 milhões de brasileiros cadastrados no Facebook –, mas pelo inestimável patamar alcançado por determinadas páginas a partir de investimentos relativamente modestos. O fenômeno da TV Revolta é emblemático. Notabilizada por um disfarce de niilismo político cujo objetivo, no fundo, é atacar o PT, a página tem mais de 3,5 milhões de seguidores e alcança mais de 27 milhões de internautas.
O número varia ao longo do dia e está estampado no índice “falando sobre isso” do Facebook. Tal indicador mede, na prática, a quantidade de usuários que compartilham, comentam, respondem ou interagem de alguma maneira com qualquer evento ou assunto relacionado ao conteúdo da página. Por esse quesito, a TV Revolta supera de longe perfis como o do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (167 mil “falando sobre isso”), da presidenta Dilma Rousseff (215 mil) ou até do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama (715 mil). Além disso, um público de 27 milhões é superior àquele de muitos dos telejornais de maior audiência da tevê aberta.
De janeiro a abril deste ano, o Jornal Nacional, da Rede Globo, registrou média de 25,4 pontos no Ibope. Cada ponto representa 217.460 domicílios e 641.286 indivíduos no Painel Nacional de Televisão (PNT), amostra que estima a audiência em todo o Brasil. Ou seja, o telejornal é visto, em média, por 16,2 milhões de brasileiros diariamente, bem abaixo do número de internautas que, de alguma forma, têm acesso ao conteúdo do TV Revolta.
“É verdade que a exposição na televisão é de outra natureza, os indivíduos param para assistir ao telejornal. Mas não é uma comparação absurda, pois o Facebook permite a interação entre os usuários, e tem muita gente dedicando seu tempo à TV Revolta, seja para compartilhar, curtir seus conteúdos, seja para criticar”, avalia Fábio Malini, coordenador do Laboratório de Estudos sobre Imagem e Cibercultura da Universidade Federal do Espírito Santo (Labic). A pedido de CartaCapital, o especialista mapeou o espectro conservador no Facebook. Identificou mais de 1,1 mil páginas, com 56,4 milhões de seguidores. Juntas, somavam mais de 42,5 milhões de usuários comentando seus posts na quinta-feira 22. E a TV Revolta correspondia a cerca de 60% dessa interação.
O canal desenvolve uma estratégia peculiar: combinar humor de gosto duvidoso com militância política. Ao mesmo tempo que reproduz piadas toscas e vídeos apelativos, compartilha supostas denúncias, muitas vezes apócrifas, e ataques contra políticos. Os alvos preferidos são o governo Dilma Rousseff e o PT. Na TV Revolta são veiculadas montagens simples, com frases curtas, contra, entre outros, o Bolsa Família e o Marco Civil da Internet, além de chacotas sobre a prisão de condenados no “mensalão”. O perfil também elegeu um ídolo, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa.
Não são poucos os exemplos de frases falsas atribuídas a autoridades, além de informações adulteradas ou incorretas. Uma das montagens traz a imagem de Barbosa com o dedo em riste, como se apontasse para o internauta, acompanhada da seguinte frase: “Eu mandei cassar mandatos, mandei prender mensaleiros e apliquei punições aos criminosos. Agora, se você votar nesses tipos de malandros de novo, o problema é seu”. Recentemente, atribuiu a Lula a declaração de que o Bolsa Família é uma ferramenta para “controlar o povo”. Basta uma rápidapesquisa no Google para perceber a fraude. A TV Revolta usou um vídeo antigo do ex-presidente no qual ele fala sobre a compra de votos no interior do País, em uma época em que ainda não existia o benefício.
Apesar de mentirosa, a publicação fez com que mais de 22 mil internautas recomendassem a “notícia” aos amigos. Sem contar os mais de 600 usuários que “curtiram” o conteúdo e os outros 195 comentários raivosos deixados na página contra o ex-presidente. Ninguém da comunidade da TV Revolta parece duvidar da informação, mas o próprio autor da página admite sua “criatividade” na hora de publicar. “Entretenimento e informação trabalham juntos desde a popularização do cinema.”
O responsável pelo canal é João Vitor Almeida Lima. Radialista de 32 anos, ex-sonoplasta da MTV e TV Bandeirantes, Lima mora em São Paulo. Apesar de aparecer sem máscara ou trajes diferentes nos vídeos compartilhados pelo Facebook, diz interpretar um personagem fictício criado em 2009: o João Revolta. Nos vídeos, opina sobre política ou problemas atuais, quase sempre contra o governo ou algum projeto petista. “A filosofia de João Revolta é usar a linguagem informal para atrair o telespectador”, disse Lima ao site youPix.
Personagem ou não, a repercussão e o tom das críticas do radialista chamaram a atenção do exército de militantes do PT na web. Insatisfeitos com as mensagens disseminadas na página, os petistas fizeram inúmeros comentários no perfil da TV Revolta. E passaram a denunciá-la. “É evidente que estamos fazendo uma campanha contra o PT, já que 99,9% do nosso público apoia e quer a derrota do PT nas próximas eleições”, escreveu Lima.
Fonte: Carta Capital VIA JHRN
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