“Os mais graves ilícitos eleitorais são praticados entre quatro paredes. As testemunhas são os próprios autores ou beneficiados. A compra do voto é o maior exemplo disso. Enquanto essa prática não for vista com indignação pela sociedade como um todo, as consequências continuarão a ser vistas e sentidas por ela própria
O procurador regional eleitoral, que chefiará o Ministério Público Eleitoral nas eleições deste ano no Rio Grande do Norte, Gilberto Barroso, não deixa dúvida: É válido a qualquer candidato apontar, seja na rua, no comício ou no palanque eletrônico, os maus feitos dos seus adversário, sobretudo do passado, desde que sirvam para revelar a verdade sobre as pessoas públicas, e que não se descambe para baixaria ou agressão.
A opinião do procurador, que, após a fase das impugnações de candidaturas, terá a incumbência, nessas eleições, de fiscalizar a regularidade dos recursos aplicados nas campanhas e a propaganda eleitoral, serve para balizar a atuação não apenas dos candidatos, mas, também, do próprio Ministério Público Eleitoral, que apoia a verdade, mas combaterá a farsa.
“A Justiça Eleitoral tem posição no sentido de que as críticas às pessoas que buscam ocupar cargos eletivos, ainda que duras e ásperas e, portanto, incomodem os seus destinatários, são válidas. Faz parte do jogo eleitoral o enaltecimento das virtudes e, pelo outro lado da moeda, o apontamento dos maus comportamentos dos adversários, sobretudo quando se relacionam ao exercício passado de funções públicas. O que não pode é descambar para a baixaria, agressão, isto é, para uma pura ofensa degradante ou ridicularizante”, afirma Barroso, nesta entrevista ao Jornal de Hoje. Confira:
O Jornal de Hoje – Nessa primeira fase das eleições 2014, o MPE impugnou diversas candidaturas. Alguma impugnação de maior destaque?
Gilberto Barroso – Todas as impugnações feitas pelo Ministério Público Eleitoral tiveram o mesmo norte: a observância da Constituição e das leis eleitorais. É evidente que, quanto maior a envergadura política do candidato impugnado, a situação terá um maior destaque. Esse “destaque”, porém, é a repercussão que a mídia e a própria sociedade dão como um todo ao fato, ou seja, não é um destaque dado pelo Ministério Público.
JH – Claro que o MPE espera que as impugnações sejam efetivamente acatadas pela Justiça Eleitoral. Mas a Justiça tem sido benevolente, sobretudo com candidatos ditos “graúdos”, tais como atuais detentores de mandato. É difícil mudar essa rotina? Por quê?
GB – Não creio que os julgamentos das impugnações tenham sido benevolentes. Em poucos casos houve divergência entre a posição final do Ministério Público e a decisão adotada pela maioria da Corte Regional. Se há alguma benevolência, eu diria que está mais restrita à legislação e ao entendimento dado pelas Cortes Superiores.
JH – Passado o período de impugnações de registro de candidaturas, para onde o MPE voltará sua atenção, no que toca às eleições deste ano?
GB – Para a fiscalização quanto à regularidade dos recursos aplicados nas campanhas, tanto na perspectiva da captação como na dos gastos em si. A fiscalização da propaganda também será alvo de maior enfoque.
JH – No tocante à propaganda, há uma confusão no que toca às denúncias, muitas vezes confundidas com ataques pessoais. O que difere denúncia fundada, portanto permitida, de ataque pessoal (calúnia, injúria e difamação, por exemplo), que é proibido?
GB – A Justiça Eleitoral tem posição no sentido de que as críticas às pessoas que buscam ocupar cargos eletivos, ainda que duras e ásperas e, portanto, incomodem os seus destinatários, são válidas. Faz parte do jogo eleitoral o enaltecimento das virtudes e, pelo outro lado da moeda, o apontamento dos maus comportamentos dos adversários, sobretudo quando se relacionam ao exercício passado de funções públicas. O que não pode é descambar para a baixaria, agressão, isto é, para uma pura ofensa degradante ou ridicularizante.
JH – Como será a atuação do MP, em relação à propaganda?
GB – Existem três Procuradores Eleitorais Auxiliares que cuidarão desta matéria. As constatações de irregularidades feitas pelas Zonas Eleitorais lhes serão encaminhadas para que aqueles proponham as ações cabíveis, sejam para aplicação de multas, sejam para impedir que os ilícitos continuem a ser praticados.
JH – O MPE é favorável a que os candidatos levem ao conhecimento do eleitor, através da propaganda eleitoral, fatos desabonadores de adversários eleitorais, desde que calcados em fatos? Sim ou não, por quê?
GB – É como falei há pouco, o processo de exposição do candidato compreende o recebimento da crítica.
JH – Quanto a abuso de poder econômico e político nessas eleições, qual a visão do MPE? Haverá algum trabalho específico, visando coibir tais abusos, ou o MPE admite que, nesse caso, para uma atuação, depende de denúncias de coligações, partidos e candidatos adversários?
GB – Como em qualquer outro ilícito, a descoberta e apuração das irregularidades é bem mais efetiva se há participação ativa da sociedade. A tolerância da própria população é quem mais estimula a perpetuação dos ilícitos eleitorais.
JH – Caixa dois de campanha, algo bastante comum, permanece sem uma fórmula mais eficaz de combate e fiscalização?
GB – A repressão, realmente, não é uma tarefa fácil. Atualmente, contudo, as instituições estão cada vez mais estruturadas para enfrentar este tipo de ilícito, embora muito aquém do que almejamos.
JH – Como avalia o comportamento da Justiça Eleitoral nas últimas eleições, e qual a expectativa para a atuação da Justiça no pleito de 2014?
GB – Minha expectativa é a de que a Justiça continue se aprimorando em busca da tarefa de prestar um serviço digno. Os entraves e desafios são enormes, porém, antes de servirem para desestímulo, espero que fomentem o aprimoramento.
JH – Em termos de fiscalização, qual a importância do eleitor, e por que ele deve fiscalizar e contribuir para a lisura das eleições?
GB – Os mais graves ilícitos eleitorais são praticados entre quatro paredes. As testemunhas são os próprios autores ou beneficiados. A compra do voto é o maior exemplo disso. Enquanto essa prática não for vista com indignação pela sociedade como um todo, as consequências continuarão a ser vistas e sentidas por ela própria.
fonte: jhrn
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