sexta-feira, 15 de maio de 2015

Câmara de Natal derruba veto e mantém Lei da Música


Dois anos depois de “engavetada”, eis que volta à tona a polêmica Lei da Música, iniciativa do vereador Luiz Almir (PV), que determina que produtores, casa de espetáculos e eventos públicos e privados tenham, no mínimo, uma atração local antes de qualquer show nacional ou internacional.

O assunto movimentou as redes sociais com diversas manifestações de artistas e produtores da cidade. Tudo porque, na última terça-feira (12), o plenário da Câmara Municipal de Natal derrubou o veto integral do Executivo. A proposta agora espera pela assinatura da mesa diretora para começar a vigorar.
Alex Regis
Câmara derruba veto e Lei da Música criada em 2013 e proposta pelo vereador Luiz Almir,  é aprovadaCâmara derruba veto e Lei da Música criada em 2013 e proposta pelo vereador Luiz Almir, é aprovada

Além do caráter impositivo no que diz respeito a participação de um músico local, o projeto também estabelece pagamento de um cachê mínimo referente a 10% do valor pago à atração principal.

Apesar de simpática aos olhos dos leigos, a lei reacende debates sobre protecionismo e reserva de mercado, como também esbarra na Constituição Federal que veda a interferência pública em negócios da iniciativa privada – caso semelhante ao da polêmica lei que tentou impedir a cobrança de taxa de estacionamento em shoppings centers da cidade, por exemplo.

Ouvido pela reportagem da TN, Luiz Almir comenta que “muito se discute sobre os problemas da cena musical da cidade, mas que poucas ações havia sido feitas”. Almir, que também é cantor nas horas vagas, diz que escuta muitas reclamações de artistas locais e conhece as dificuldades do setor. “Era preciso começar a fazer alguma coisa de concreto. Essa lei é inédita no País e vem pra valorizar o artista local financeiramente”.

Regulamentação

Ao tentar explicar o funcionamento da Lei da Música, Almir deixa muitos pontos em aberto, e transfere a responsabilidade da gestão para a Fundação Capitania das Artes e a Associação Norte-Rio-grandense de Promoção sociocultural e Desenvolvimento Artístico (Andar). “A questão de artista local e nacional, e outros detalhes serão definidos por regulamentação a ser criada pela Funcarte e Andar”, adiantou o vereador. Luiz Almir sugere que tanto a aplicação da lei quanto a fiscalização deverão ficar sob responsabilidade dessas duas entidades. 

Na Secretaria de Cultura de Natal/Funcarte, o presidente Dácio Galvão explica que o documento será avaliado antes de tudo pelo Setor Jurídico e pela Diretoria de Eventos da instituição, depois será enviado para a Procuradoria Geral do Município dar seu parecer. Antes, não tem como dar certeza do funcionamento da lei. “Para o setor público a repercussão da lei é mínima. Já trabalhamos com shows de artistas potiguares antes das apresentações nacionais e estamos numa linha de aumento contínuo de cachês locais. A lei atinge muito mais a área privada”, comenta. 

Dácio Galvão discorda da criação de uma lei para regular cachês no meio artístico e atenta para outra questão: “E por que só música? E a literatura, teatro, dança, cultura popular.  Esse projeto desmerece as outras linguagens e também abre precedente para que leis semelhantes sejam criadas nas outras áreas”, disse ele. 

“Não houve debate”, diz Sarkis


 Para o vice-presidente do Sindicato dos Músicos do RN, o músico Paulo Sarkis, o vereador teve uma boa intenção em tentar proteger a cena musical, mas criou uma lei “completamente sem noção”. “Não fica esclarecido a diferença de um artista local de um nacional. Por exemplo, Roberta Sá é artista local o nacional? Outra coisa, shows grandes, como o de Ivete Sangalo, que tem um cachê imenso,  pode acabar gerando brigas entre os artistas para ver quem vai ficar com os 10%”.

Sarkis vê problemas nessa estrutura de fiscalização. “Como pode uma empresa privada fiscalizar uma lei? Deveria ser a entidade representativa dos músicos”, questiona. 

Sarkis aproveita para criticar a forma como o projeto foi conduzido na Câmara. “Na época que o assunto entrou em pauta (maio de 2013), tentamos mudar aspectos que achávamos errado. Disseram que nossas opiniões eram despropositadas. Mas do jeito que o projeto estava, lutamos para que não fosse aprovado. Depois pedimos o veto do prefeito. Considerando as discussões rasas na Câmara Municipal com avaliação de pessoas que não entendem do segmento. Não houve fórum adequado para se chegar a qualquer consenso sobre o que é mais importante para os artistas”, desabafa.

Produtores dizem que lei é confusa
“O vereador não pode aprovar uma lei que interfere na iniciativa privada. Isso é inconstitucional”, afirma o produtor cultural Alexandre Maia. Para ele, a decisão de ter ou não artista local abrindo show nacional tem que ser decisão de quem organiza. “Tem artista nacional que não permite em contrato um show de abertura, Um exemplo é Roberto Carlos. Eu nunca vi um a banda ou artista abrir um espetáculo do artista. Ele se apresenta com estrutura de cenários e iluminação caros e que não podem ser mexidos antes que ele suba ao palco. Então Roberto Carlos não vai mais poder se apresentar na cidade?”, questiona o produtor. 

Para o o produtor do festival MADA, Jomardo Jomas, não há como a lei ser aplicada na prática e por isso vai continuar fazendo seu festival do jeito que sempre vem organizando. “A lei comete vários equívocos. Não dá parâmetro para se fazer um festival por exemplo. No MADA temos atrações grandes, médias e menores, seja nacional ou local, cada uma com aspectos diferentes para se chegar ao valor do cachê. A lei não explica nada sobre isso”.

Artistas dividem opinião

Músico de várias bandas da cidade, Fábio Rocha, o Fabão, diz que a primeira vista a lei parece legal. “Os cachês hoje não são bons na maioria das vezes. Então, pra gente que é da cena alternativa, uma tentativa de valorização dos nossos cachês agrada. Apesar de também parecer mendigagem. Por outro lado, não há nada claro. O que difere um artista local do nacional? Pra mim Simona Talma, Dusouto, Far From Alaska são nacionais”.

Fabão também comenta que a valorização dos artistas locais passa pelo público, que poderia comparecer mais às apresentações de bandas da terra. “Ir pro estúdio gravar um trabalho novo, produzir um show, tudo isso tem custos. E as vezes todo esse trabalho não é visto pelo consumidor de música local.” 

Cantora de projeção nacional, Khrystal acha a lei confusa e não trata os músicos de maneira profissional. "Já com tantos problemas, essa lei confirma nossa situação de retrocesso na cultura. Pôe artistas que já tem carreira com os que não tem, juntos no mesmo balaio. Além de fazer com que artistas sejam enfiados goela abaixo do público".

Frases:

Fábio Rocha, músico: “Pra mim Simona Talma, Dusouto, Far From Alaska são nacionais”

Alexandre Maia, produtor: “Então Roberto Carlos não vai mais poder se apresentar na cidade?”

Jomardo Jomas: “Não há como a lei ser aplicada na prática”

Dácio Galvão“Tudo será avaliado pelo Setor Jurídico e pela Diretoria de Eventos”

Principais questões
(Perguntas em aberto que deverão ser reguladas pela Funcarte segundo o vereador Luiz Almir)

O que diferencia um artista local do nacional?
Em eventos com mais de uma atração local serão necessários vários cachês de 10% ou apenas um que será repartido?
Nas casas de espetáculos com regras rígidas de horário de abertura e encerramento, como no shopping, como fica o show de abertura?
Shows mais curtos receberiam menos de 10%?
Por que a lei só envolve o segmento música?
A fiscalização será feita de que forma?
Quem escolhe o artista que se apresentará nos eventos?
Artistas nacionais ou internacionais que, em contrato, não aceitem shows de abertura, ficariam impedidos de se apresentar em Natal (como no caso de Roberto Carlos)? 
Em caso de festivais ou eventos como o Carnatal, onde shows nacionais tem cachês diferentes, quais valores seriam usados como referência?

Fonte:Tribuna do Norte

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